quarta-feira, 17 de julho de 2019

OS NOSSOS UTENTES


JOSÉ ANTÓNIO GATO




                      Já fez 86 anos e é um dos mais recentes residentes no Abrigo. É viúvo há 6 anos de Marina Helena Rosado e tem dois filhos: o António Manuel, que vive no Ciborro, e a Rosa Helena que reside aqui em Montemor.

          Eis parte da sua história:
“Nasci e vivi durante alguns anos no monte da herdade das “Casas”, concelho de Redondo. Fui o mais velho de cinco irmãos, três rapazes e duas raparigas, estas, felizmente, também ainda vivas. Cheguei a andar à escola na herdade das Courelas, perto de onde vivia, mas pouco aproveitei porque só lá andei aí uns cinco meses.”

          Por que motivo abandonou a escola?
“Os meus pais separaram-se e isto provocou uma grande alteração nas nossas vidas. As minhas irmãs ficaram com a minha mãe e os rapazes foram com o meu pai, que se deslocou para o monte dos “Álamos”.

           Foi um enorme transtorno para todos …
“Foi, pois. Por essa altura eu teria uns dez anos e chegara a altura de começar a trabalhar. Guardar ovelhas foi a primeira tarefa. Poucos anos depois fui fazer uma sementeira de trigo num local onde havia muitos touros e vacas, mas tudo gado manso. Depois, já gaiatão, fui mondar trigo com um grupo de mulheres. É que, normalmente, quando se era rapazola e ainda não se conheciam bem os trabalhos do campo, íamos mondar, sargaçar ou ajudar na guarda das ovelhas.”

           Mas os anos foram passando …
“E aprendi a esgalhar, a gadanhar e fui carregar lenha com uma parelha. E com perto dos vinte anos comecei a ser carreiro e, com uma parelha de mulas, fazia todo o género de transportes. Tudo isto no monte das Courelas, ainda no concelho de Redondo.”

            Mas estava na altura de ir à inspecção militar …
“Quando esse dia chegou, lá fui “tirar as sortes”. Fiquei apurado para o serviço militar e fui colocado em Elvas, onde estive dezoito meses e quatro dias. Cheguei a estar mobilizado para Angola, mas não cheguei a ir. Por esta altura já namorava a Marina, que tempo depois seria a minha mulher.”

           E a sua vida deu uma nova volta.
“Livre da tropa e já casado, trabalhei nas pedreiras, em Bencatel. Meses depois, e porque não estava satisfeito com este trabalho, decidi ir a Évora, ao Café Arcada, lugar onde, sobretudo às terças-feiras, se reuniam os lavradores, para ver se lá conseguia arranjar emprego. Tive sorte e fui contratado pelo sr. Custódio Capoulas para afilhador de porcas na herdade de “Carvalhal dos Arezes”. Por lá fiquei treze anos. Morava então nas Caeiras. Passado esse tempo fui para o monte da herdade “Água Todo o Ano”, do sr. Francisco Alfacinha, desempenhando a mesma missão de afilhador de porcas. Por esta altura ainda estive seis meses a trabalhar para os Irmãos de S. João de Deus. Cortava lenha para o fogão, lavava louça, descascava batatas e fazia limpezas.”


            Mas a sua actividade não ficou por aí …
“Voltei a trabalhar para o sr. Francisco Alfacinha, na herdade da “Rosada”, mas já como feitor. E por aqui estive trinta e três anos. Entretanto, e com o falecimento do sr. Alfacinha, ainda por lá me mantive uns três anos a exercer as minhas funções, agora sob as ordens da filha, D. Maria Antónia. Passado este tempo, reformei-me.”


           E depois de reformado?
“Como já tinha comprado uma casa em Montemor, onde vinha todos os fins de semana, logo que cheguei à reforma vim para cá viver. Arrendei uma fazenda na Serra das Vinagras, onde ia criando e vendendo vacas e ovelhas. Mais tarde, e em três anos diferentes, tive três AVC que me inutilizaram e impediram de exercer qualquer actividade. Hoje apenas me desloco numa cadeira de rodas e por aqui vou estando como pode ser.”


           Que possa ir melhorando, são os nossos votos.