terça-feira, 27 de junho de 2017

OS NOSSOS UTENTES

MARCOLINA ROSA



O Abrigo dos Velhos Trabalhadores que, com esta denominação, assinalou a passagem do seu 50º aniversário a 13 de Junho, dia de Santo António, nasceu e herdou a sua vocação assistencial a partir do Asilo de Mendicidade, criado em 1 de Janeiro de 1914.

Exactamente uma semana depois da celebração da efeméride, estivemos à conversa com uma utente do “Centro de Dia”, que se dispôs a falar sobre alguns aspectos da sua já longa e experiente vida.

“Chamo-me Marcolina Rosa que, em boa verdade e apenas por lapso ou omissão, não tenho oficialmente o apelido do meu pai – Pontes. Nasci no dia 26 de Maio de 1929 pelo que já contei a passagem de 88 anos.”

Era filha única?

“Qual quê. Para não me sentir muito só, tinha mais 8 irmãos. Nasci no Casal dos Tamancos, perto da Malveira. O meu pai era agricultor e todos nós com ele trabalhámos até encontrarmos outras ocupações. Como o lugar onde vivíamos era longe de tudo, só a minha irmã mais nova fez a instrução primária quando ali mais perto abriu uma escola. Os restantes irmãos aprenderam a ler e a escrever mas já em adultos."

E trabalhou sempre no campo e na casa paterna?

“Não, apenas enquanto fui solteira. Já casada, para além de ir morar para a Reboleira, trabalhava na zona da Estrela, na casa de uma família do Alentejo, onde fazia de tudo e também exercia a função de cozinheira noutras casas.”

Sabemos que é viúva. Conte-nos alguma coisa acerca do seu casamento que ache ser relevante…

“Quase nem tive tempo para ser feliz no casamento. O meu marido – Domingos José Afonso – natural de Moledo do Minho já me traía em solteiro sem eu saber. E ao fim de cinco meses de casados abandonou-me, foi para França, e nunca mais deu notícias. Deixou-me grávida de 3 meses da minha filha – Ana Manuela Pontes Afonso, agora com cinquenta anos. Mais tarde vim a saber que ele tinha falecido em terras francesas.”

Sozinha e com uma filha, teve de lutar pela vida…

“Sempre batalhei. Durante 32 anos fui cozinhar, três dias por semana, a casa de uma senhora que morava na Estrela e mais dois dias a casa de outra senhora que residia no Campo de Sant’Ana. Aqui trabalhei 24 anos. Deixava o comerzinho todo feito, dividido em caixas, e depois a família era só aquecer. A primeira daquelas senhoras, já então viúva, gostava muito de mim e até me pagou para eu ir à Madeira e a Espanha. Com esta mesma senhora, nos dias em que lá trabalhava, íamos as duas, das 8 às 11 horas, ao Hospital da CUF, como voluntárias, dar uma ajuda aos doentes, e só à tarde fazia o meu serviço de cozinheira. Mas a minha actividade não se ficava por aqui. Aos Sábados e Domingos, juntamente com outra colega, fazíamos casamentos.”

E terminou assim a sua labuta?

"Não. Aos 62 anos reformei-me, mas a convite de uma médica que exercia naquele hospital, ainda estive, durante as suas férias, a tratar da sua mãe, pessoa já idosa e praticamente inválida, a quem eu tinha de prestar todos os cuidados. Passado esse período regressei à minha casa que tinha arrendada em Loures. Tinha então a intenção de comprar um andar e começar a tomar conta de crianças.”

Mas, pelos visto, esse desejo não se concretizou. E como é que, tendo sempre vivido em Lisboa ou por ali perto, veio parar a Montemor?

“Entretanto a minha filha, com 17 anos, casou com um filho do sr. Armando Lopes, que era dono da Pecuária da Rosenta e do Monte do Outeiro da Laje, para onde o jovem casal foi morar. Porém, o meu genro, quando os filhos tinham 3 e 6 anos, abalou para o Brasil. Até hoje. E embora já tenham falado algumas vezes, nunca mais regressou ao lar. Foi então, quando a minha filha ficou sozinha com os bebés, que eu vim para Montemor, mais propriamente para o referido Monte do Outeiro da Laje. E assim se passaram 24 anos. Tinha eu nessa altura 64.”

E a que se deve o facto de ter vindo para o Abrigo?

“Porque a minha filha, durante o dia, tem outras actividades, juntamente com o meu neto mais novo, fora da área da residência, e eu já tenho alguma dificuldade em locomover-me e sempre com receio de alguma queda, resolvi vir para aqui, onde estou desde Outubro passado. A minha filha vem trazer-me de manhã e à tarde vem recolher-me.”

Manifestou-nos ainda o desejo de vir a integrar o “Cant’Abrigo”, pelo que fica desde já o alerta para o maestro André.

Esperamos numa próxima actuação do coral ver já no palco a D. Marcolina.