segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

OS NOSSOS UTENTES

MANUEL ELISIÁRIO PIRRALHO

Menino sem escola e sem brinquedos. Rapazinho que cedo foi obrigado ao trabalho duro de cada dia, Manuel Elisiário Pirralho nasceu no Monte do Casão, perto da estrada que liga Montemor a Évora.


“Irei completar 90 anos no próximo mês de Fevereiro e fui o mais novo de cinco irmãos, dos quais só eu ainda vivo. O meu pai era porqueiro no Pinheiro e no Picote, propriedades do sr. João Manuel Malta.”

E recorda:

“Escola, nem pensar nisso. Com seis anos, perto dos sete, comecei a guardar porcos e, para me estrear bem, comecei logo por levar pela medida grande.. E porquê? É simples: eu não conhecia o terreno por onde caminhava e, sem me aperceber, andava com o gado longe dos gamelões onde estavam o bagaço e a farinha que lhes havia de servir de alimento. O meu pai parece que me assobiava mas eu, que estava longe e com o vento contra, não o consegui ouvir. Quando ele, zangado, veio ter comigo, deu-me duas ou três varadas nas costas. Dizia ele que era para aprender. Não terá sido por causa disso, mas a verdade é que aprendi e tive essa ocupação até perto dos treze.

E foi mantendo sempre a mesma residência?

“Não. A família ia mudando porque o patrão explorava outras propriedades, que ia arrendando, e nós tínhamos de mudar também. Mas aos dezasseis anos já comecei a guardar gado bovino, o que fiz em vários locais. Por volta dos dezanove já exercia outros trabalhos agrícolas, também em diversas propriedades, mas sempre por conta do mesmo patrão.”

Entretanto os anos iam passando e era chegada a altura de dar outros rumos à sua vida…

“Poucos anos mais tarde, e ainda que me mantivesse na casa paterna, comecei a ter a minha independência e a possibilidade de procurar outros trabalhos sazonais que me permitiam ganhar mais qualquer coisa.”

E a sua juventude, para além do trabalho?

“Como qualquer rapaz da minha idade, ia a muitos bailes e funçanadas, onde conheci e dancei com muitas raparigas. Conversava e mangava com elas, mas não passava disso. Namorei pouco e só me apaixonei uma vez e foi logo por aquela que ainda hoje é a minha mulher – Maria Bárbara Caravela. Tenho duas filhas, já casadas, que residem junto a Montemor.”

E com que idade casou?

Primeiro juntámo-nos, tinha eu 31 anos e a noiva andava pelos 27/28, e só um ano depois legalizámos a união. Fomos então morar para o Monte da Parreira,  junto ao Ciborro. A propósito de moradias, devo afirmar que vivemos em dez locais diferentes. Vá contando: da Parreira fomos para o Monte do Cavaleiro (S.Geraldo) e, seguidamente, para a aldeia do Ciborro, Herdade do Meio, Casal Ventoso (Lavre), Mata Velha (na mesma zona), Lobeira de Cima, Monte da Amoreira (Lavre), onde estive 23 anos, Monte do Cota e Monte do Vale da Rã (Maia). Daqui entrámos para o Abrigo, em Setembro passado.”


Foi, portanto no Monte da Amoreira, perto de Lavre, onde se manteve durante mais tempo…

“É verdade. E sempre como vaqueiro ao serviço da Cooperativa “Boa Esperança”. E foi ali que ao fim desses anos me reformei. Já nesta situação de reformado estive, como já disse, nos montes do Cota e do Vale de Rã onde, por minha conta, ia fazendo umas hortitas e outros biscates que me iam aparecendo. Em Setembro fomos forçados a vir para o Abrigo, sobretudo porque a minha mulher está incapacitada e apenas se desloca com uma cadeira de rodas.”

Guarda, naturalmente, muitas recordações desses tempos de trabalho…

“Claro que sim. E até recordo, com alguma vaidade, o facto de ser admirado pelos colegas de trabalho pelo facto de, enquanto vaqueiro, e apesar de não saber ler nem escrever, conseguir identificar cada animal pelo nome. E chegavam a ser manadas com uma centena de cabeças. Isto sucedia porque eu vivia constantemente com os animais e, em muitas noites em que eu sabia que havia vacas prestes a parir, eu pernoitava junto delas até que o vitelo nascesse. Cria-se, assim, uma amizade aos animais que só quem viveu nas mesmas circunstâncias pode avaliar. Quando um moiral é consciente e gosta do que faz, conhece os animais como se fossem da família. Sabemos quais são as suas manhas e até sabemos fazer o diagnóstico das doenças só pela maneira como se comportam.”


De toda a nossa conversa fica a certeza de que, ainda hoje, fala dos animais com um entusiasmo e um carinho só possíveis para quem gostou muito do que fez na vida.