segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

OS NOSSOS UTENTES


CUSTÓDIO DE JESUS ENFIM

 
     A proximidade do Carnaval serviu como motivo para o nosso entrevistado deste mês, Sr. Custódio de Jesus Enfim, recordar, entre outros factos da sua vida, como se desfrutava na sua juventude esta quadra carnavalesca.

     Nascido há 91 anos, o nosso Amigo Custódio começou por revelar:
     “Vim ao mundo no Monte da Calva, perto de S. Gens. Tive cinco irmãs, infelizmente já todas falecidas. O meu pai sempre trabalhou no campo, numa época em que as dificuldades eram muitas. E foi exactamente devido a essas dificuldades que eu apenas fiz a 1ª classe da instrução primária na escola de S. Gens. Todos os tostões contribuíam para tentar equilibrar o débil orçamento, pelo que, com 8 anos, comecei como ajuda de um pastor a guardar ovelhas. No entanto sabia ler e escrever, pouco mas de grande utilidade”.

     A seguir vieram as etapas normais nesta fase da vida:
    “Conheci praticamente todos os trabalhos agrícolas em vários locais. Estive, inclusivamente, na Cooperativa José Adelino dos Santos uma dúzia de anos. Depois da sua extinção trabalhei durante uns sete ou oito anos na construção civil, que era a minha actividade quando me reformei. Mas mesmo depois da reforma ainda tive de me ocupar em serviços ocasionais, principalmente em hortas e quintas, a fim de reforçar o valor da reforma, que era, e é, muito pequena.”

     Aqui, o Amigo Custódio interrompeu a sua história para nos contar o seu trajecto, em termos de residências, ao longo da sua vida.
     “Como já disse, nasci perto de S. Gens. Com cerca de três anos fomos viver para o Ferro da Agulha. Depois, Benafessim, Monte da Parreira, junto à Quinta dos Pretos. De seguida voltei ao Ferro da Agulha, onde permaneci durante 3 anos, já casado. Seguiram-se o Monte dos Álamos, o Monte do Cunha, o Zambujalinho e, nos últimos quarenta anos, o Bairro da CHE, aqui na cidade. Fartei-me de andar com a “trugia” às costas.”

     Falou na sua situação de casado e, portanto, é altura de sabermos mais alguns pormenores.
     “Casei, com 29 anos, com Maria Tomásia Oliveira. Deste enlace, que já dura há 62 anos, nasceu um filho – José Custódio – que vive aqui em Montemor.”

     Mas foi o seu único amor?
     “Foi, ainda que tivesse tido vários namoricos na minha juventude. Naquele tempo havia bailes no campo e rara era a semana em que num ou noutro monte das redondezas não houvesse o seu bailarico, animado por uma concertina ou, muitas vezes, ao som da “gaita de beiços”.

     Como vamos atravessar em breve o período carnavalesco, lembra-se como era esta quadra no seu tempo de juventude?
     “Perfeitamente. Pelo Carnaval era tradição juntar-se um grupo de rapazes e raparigas para irmos percorrer os montes em volta, acontecendo que aqui e além até dava para fazermos um baile. Nesta quadra era tradição as famílias terem sempre a mesa posta para oferecer a esses grupos, quer fossem mascarados ou não. Claro que os petiscos oferecidos dependiam das posses de cada família mas, com mais ou menos fartura ou variedade, ninguém deixava de manter a tradição.”

     E também costumavam cantar durante os trabalhos agrícolas?
   “Sim, quer fosse nas ceifas, nas esgalhas ou no varejo da azeitona, os trabalhadores por vezes cantavam em grupo, até para esquecerem a miséria dos salários. Ganhava-se muito pouco, mas quando éramos mais novos aproveitávamos os pequenos intervalos das refeições para nos divertirmos, jogando à bola, por exemplo. Mas eram tempos difíceis, com os manajeiros e os feitores sempre em cima dos trabalhadores, vigiando-os, para que estes não perdessem nem um minuto na sua labuta.”

     Os anos foram passando …
     “Exactamente. Os anos foram passando e com eles foram surgindo os problemas de saúde. Sofro bastante com artroses e tenho uma prótese na anca esquerda, que me obriga ao uso de canadianas. A minha mulher, com vários tipos de queixas, necessita do recurso constante à máquina de oxigénio e, em 2015, recorremos ao “Apoio Domiciliário” do Abrigo. A situação foi-se agravando e há um mês conseguimos vaga no “Lar” desta Instituição.

     E como vai passando os seus dias?
    “Converso com outros utentes e dou os meus pequenos passeios pela área do Abrigo, já que a leitura me está vedada por problemas na vista. Antigamente ainda lia os jornais mas, hoje, só com letras garrafais consigo ler. Os médicos dizem-me que o problema não se resolve nem com óculos nem com operação. Informam-me que tenho uns problemas “manhosos” e, mensalmente, tenho estado a levar uma injecção no olho direito. Até para fazer o meu nome já sinto muita dificuldade. Enfim, o que hei-de fazer?”

     Também gostávamos de saber mas, infelizmente, não sabemos dar-lhe essa resposta. Esperamos, para já, que o tratamento que está a fazer ainda possa permitir que sinta melhoras.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

OS NOSSOS UTENTES


FELICIDADE MARIA GIÃO DOS SANTOS
 
    
         Ano novo, os mesmos objectivos: dar a conhecer, na medida do possível, as histórias de vida dos nossos utentes. Umas com mais detalhes, outras nem tanto (o estado das memórias não é todo igual) mas de qualquer modo estamos em crer que transparecem sempre, por detrás das rugas de cada rosto, as lutas travadas ao longo da vida de cada um.

         Hoje foi a vez de falarmos com a D. Felicidade Maria Gião dos Santos, a poucos meses de completar 87 anos e residente no “Lar” deste Abrigo desde Agosto passado.
         Nasci na Quinta das Valenças. O meu pai foi sempre agricultor e vivemos naquela quinta, perto do Porto das Lãs, até os filhos serem crescidos. Depois, comprou a Quinta da Marmeleira, relativamente perto do monte onde nascemos, e para lá nos deslocámos, como é natural.”

         E aí …
         “Aí, o meu pai continuou na mesma labuta, agora já ajudado pelos meus irmãos nas fainas agrícolas. Quando o meu pai faleceu, teria eu uns 13 anos, andei na costura, aqui na então vila. A minha irmã ficou em casa a ajudar a minha mãe nos afazeres domésticos.”

         Mas continuavam a viver na Quinta da Marmeleira?
         “A dada altura o meu irmão Joaquim ficou a explorar essa e a minha mãe ficou com ele. O Manuel foi para uma courela que o meu pai tinha comprado no Reguengo.”

         E a D. Felicidade onde ficou?
         Acabada a fase da costura voltei para a companhia da minha mãe e, já em adulta, também fiz diversos trabalhos agrícolas.”

         E como viveu a sua mocidade?
         “Ali para os lados do Gandum havia bailes com frequência e foi numa dessas funçanadas que conheci o Manuel António que, num belo dia, me pediu namoro. Mas não aceitei logo à primeira vista, mas com a continuação acabei por ceder.”

         Mas também não perdeu muito tempo …
         “Tinha então 18 anos quando me casei com o Manuel António Ferreira e desse enlace nasceu o nosso único filho, o António Manuel Ferreira, já casado e a residir em Montemor. Voltando atrás no tempo, relembro que após o casamento, fomos morar para a Quinta do Lobo, que nas partilhas me tinha cabido uma parte e à minha irmã, na altura também já casada, pertencia a outra parte. E era daqui que tirávamos a nossa subsistência. Com excepção de três anos em que estivemos em França e que nos correram bem, ali vivemos praticamente toda a vida.”

Isso significa, portanto, que nunca tiveram grandes preocupações…
“Sim, é verdade, tivemos sempre uma vida calma. Sem grandes apoquentações, ainda que, como sabe, quem vive da agricultura está sempre sujeito às mais diversas contrariedades. É porque chove demasiado, é porque não chove, enfim, é uma vida ingrata. Mas quando as coisas corriam de feição, especialmente quando o tempo era favorável às culturas, conseguíamos tirar dali o nosso sustento. Para além da horta, que em condições normais produzia o suficiente para irmos vender ao mercado, ainda tínhamos olival, algumas árvores de fruto e, frequentemente, o meu marido também fazia searas de trigo, para além de engordarmos os porcos para consumo próprio.”

Mas tudo isso teve um fim…
“É verdade, há pouco mais de um ano tive a infelicidade do meu marido falecer. Ainda vivi na minha casa durante uns meses até que, especialmente devido a doença, consegui entrar no Abrigo, onde sou bem tratada e vejo o passar dos dias.”

Obrigado pela sua paciência, D. Felicidade, e que este ano novo lhe traga mais saúde.