terça-feira, 21 de janeiro de 2020

OS NOSSOS UTENTES


FELICIDADE MARIA GIÃO DOS SANTOS
 
    
         Ano novo, os mesmos objectivos: dar a conhecer, na medida do possível, as histórias de vida dos nossos utentes. Umas com mais detalhes, outras nem tanto (o estado das memórias não é todo igual) mas de qualquer modo estamos em crer que transparecem sempre, por detrás das rugas de cada rosto, as lutas travadas ao longo da vida de cada um.

         Hoje foi a vez de falarmos com a D. Felicidade Maria Gião dos Santos, a poucos meses de completar 87 anos e residente no “Lar” deste Abrigo desde Agosto passado.
         Nasci na Quinta das Valenças. O meu pai foi sempre agricultor e vivemos naquela quinta, perto do Porto das Lãs, até os filhos serem crescidos. Depois, comprou a Quinta da Marmeleira, relativamente perto do monte onde nascemos, e para lá nos deslocámos, como é natural.”

         E aí …
         “Aí, o meu pai continuou na mesma labuta, agora já ajudado pelos meus irmãos nas fainas agrícolas. Quando o meu pai faleceu, teria eu uns 13 anos, andei na costura, aqui na então vila. A minha irmã ficou em casa a ajudar a minha mãe nos afazeres domésticos.”

         Mas continuavam a viver na Quinta da Marmeleira?
         “A dada altura o meu irmão Joaquim ficou a explorar essa e a minha mãe ficou com ele. O Manuel foi para uma courela que o meu pai tinha comprado no Reguengo.”

         E a D. Felicidade onde ficou?
         Acabada a fase da costura voltei para a companhia da minha mãe e, já em adulta, também fiz diversos trabalhos agrícolas.”

         E como viveu a sua mocidade?
         “Ali para os lados do Gandum havia bailes com frequência e foi numa dessas funçanadas que conheci o Manuel António que, num belo dia, me pediu namoro. Mas não aceitei logo à primeira vista, mas com a continuação acabei por ceder.”

         Mas também não perdeu muito tempo …
         “Tinha então 18 anos quando me casei com o Manuel António Ferreira e desse enlace nasceu o nosso único filho, o António Manuel Ferreira, já casado e a residir em Montemor. Voltando atrás no tempo, relembro que após o casamento, fomos morar para a Quinta do Lobo, que nas partilhas me tinha cabido uma parte e à minha irmã, na altura também já casada, pertencia a outra parte. E era daqui que tirávamos a nossa subsistência. Com excepção de três anos em que estivemos em França e que nos correram bem, ali vivemos praticamente toda a vida.”

Isso significa, portanto, que nunca tiveram grandes preocupações…
“Sim, é verdade, tivemos sempre uma vida calma. Sem grandes apoquentações, ainda que, como sabe, quem vive da agricultura está sempre sujeito às mais diversas contrariedades. É porque chove demasiado, é porque não chove, enfim, é uma vida ingrata. Mas quando as coisas corriam de feição, especialmente quando o tempo era favorável às culturas, conseguíamos tirar dali o nosso sustento. Para além da horta, que em condições normais produzia o suficiente para irmos vender ao mercado, ainda tínhamos olival, algumas árvores de fruto e, frequentemente, o meu marido também fazia searas de trigo, para além de engordarmos os porcos para consumo próprio.”

Mas tudo isso teve um fim…
“É verdade, há pouco mais de um ano tive a infelicidade do meu marido falecer. Ainda vivi na minha casa durante uns meses até que, especialmente devido a doença, consegui entrar no Abrigo, onde sou bem tratada e vejo o passar dos dias.”

Obrigado pela sua paciência, D. Felicidade, e que este ano novo lhe traga mais saúde.