segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

OS NOSSOS UTENTES

JOÃO MIGUEL FERREIRA

Completou 92 anos no dia 18 deste mês de Janeiro mas continua com uma memória e um discernimento notáveis.

O entrevistado que abre a série do presente ano, de nome João Miguel Ferreira, nasceu no Monte da Torre, perto do Escoural e era um dos nove irmãos (6 rapazes e 3 raparigas) que os seus pais trouxeram ao mundo.

“Andei à escola no Escoural, tendo completado a 3ª classe. Nesses tempos, não só a instrução não era considerada prioritária como cedo se tinha de começar a contribuir para a economia doméstica. Muito novo, portanto, comecei como ajuda de pastor e depois de vaqueiro.”

E a actividade desenvolvida ao longo da sua vida esteve sempre ligada ao campo.

“O meu pai tinha quatro parelhas e trabalhava no Monte da Torre, propriedade de Joaquim Correia, de Reguengos de Monsaraz. Era então cingeleiro, o que significava que, em terras do proprietário, comprava as sementes, procedia a todos os trabalhos inerentes a determinada cultura, suportava as despesas e, quando se realizava a colheita, um quarto do que rendia destinava-se ao dono da terra. Claro que havia os maus anos agrícolas em que os resultados eram tão escassos que o próprio proprietário prescindia da sua parte. Como está bem de ver, era eu e os meus irmãos que ajudávamos em todas estas lides.”

O tempo foi passando e chegou a altura de ir para a tropa: “Assentei praça no RI 16, em Évora. Estive aqui dois anos e ao fim desse tempo paguei dois contos para me poder vir embora de imediato, procedimento que era normal na época. O problema surgiu quando, passados cerca de quinze dias, chamaram-me outra vez e fui mobilizado para os Açores. Protestei e só depois de dar muita volta consegui que me devolvessem o dinheiro. E pronto, lá parti para os Açores, onde cheguei à meia noite de um dia de Natal e onde permaneci vinte sete meses. Durante a minha permanência no arquipélago faleceram cá, primeiro o meu pai e, depois, a minha mãe.

Já livre do serviço militar, havia que fazer pela vida:
“Quando regressei, juntei-me ao meu irmão José Inácio e explorámos as mesmas terras e nas mesmas condições. Durou dois anos esta sociedade.

Aos 25 anos novo rumo: “É verdade. Foi a altura de dar um grande passo: casei-me com Maria Luisa Charneca. Fomos morar para umas casas do meu sogro em Goudelim. Depois arrendei uma fazenda no monte do Almeida, ao pé do Passa-Figo. Morámos lá durante quarenta e sete anos. Estive sempre ligado à agricultura, quer cultivando quer alugando e prestando serviços a terceiros com as máquinas agrícolas que fui adquirindo. Quando já tinha setenta e dois anos vim definitivamente para Montemor, para uma moradia na Courela da Pedreira.”

Os anos foram passando e já tinha ultrapassado a ternura dos oitenta quando teve de dar um novo passo na sua vida: “A idade, mas sobretudo a doença da minha mulher, foram responsáveis por termos de recorrer ao “Apoio Domiciliário do Abrigo”. Mas a situação da minha mulher piorou, a nossa vida complicou-se e ela acabou por ser internada aqui no “Lar” no dia 10 de Maio de 2012. Infelizmente, faleceu dois dias depois. Hoje, estou aqui eu, sem a sua companhia.”

Ao longo de tantos anos, o nosso amigo João Miguel Ferreira teria muitas histórias para relatar. Quer esquecer as que, por um ou outro motivo, considera menos agradáveis. Mas fez questão de recordar um episódio que o marcou e uma atitude que nunca mais esqueceu. E conta:

“Quando estava no Monte do Almeida, já casado e a trabalhar por conta própria, a debulha era feita pela empresa Barradas & Barradas, aqui de Montemor. Um dia, o Sr. José Barradas convidou-me para ir com ele a Évora e, sem me dizer qualquer coisa, levou-me à firma H. Vaultier, ali na Praça do Giraldo. Apresentou-me ao gerente, Sr. Machado, e saiu, deixando-nos a conversar. Claro que eu vi logo o fim em vista. Este senhor começou de imediato uma longa conversa para me vender um tractor. Eu, na verdade, estava na disposição de o comprar, mas não estava disposto a ter de apresentar um fiador ou avalista. E disse-lhe isso mesmo. Se quisesse nessas condições, tudo bem; caso contrário, nada feito. Disse-lhe ainda que se por acaso eu faltasse com alguma das prestações, a firma poderia ir lá buscar-me a máquina. Essa era a melhor garantia. Estávamos neste impasse quando entrou de novo no escritório o Sr. José Barradas que, ao tomar conhecimento da situação, logo afirmou alto e bom som ao vendedor: Ó Machado, podes vender o tractor à confiança porque estás na frente de uma pessoa séria e cumpridora. E o negócio foi feito. Um ano depois, e já sem se falar em fiador, já lá tinha outra máquina.”

E ainda, segundo nos afirmou, chegou a ter quatro máquinas, incluindo ceifeira-debulhadora, enfardadeira e todas as respectivas alfaias, para prestar serviços de aluguer a outros agricultores.

Boa saúde, amigo João.
           

            

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Já saiu o livro que conta tudo

DO ASILO DE MENDICIDADE
AO ABRIGO DOS VELHOS TRABALHADORES – 1914/2014

UM SÉCULO AO SERVIÇO DA POPULAÇÃO IDOSA DO CONCELHO


Passo a passo foi-se construindo e consolidando o percurso de uma Instituição que será uma das maiores do seu género, em termos de solidariedade social, vocacionada e dirigida aos trabalhadores idosos ou incapacitados para o trabalho.
Vencendo dificuldades, ultrapassando obstáculos, transformando sonhos em realidades, lutando com persistência, perseverança e elevado sentido de cidadania activa, foi com a ajuda desinteressada de centenas de pessoas solidárias, que ao longo dos anos deram o melhor de si mesmas a uma causa que é de todos, que chegámos finalmente ao dia em que se comemorou o centenário da Instituição, cuja história teve o seu início no distante dia 1 de Janeiro de 1914.

Pois no passado dia 11 de de Janeiro, um sábado soalheiro, efectuou-se, nas instalações do Abrigo dos Velhos Trabalhadores de Montemor-o-Novo, a cerimónia de lançamento do livro que assinala exactamente a efeméride.

Na mesa de honra tiveram lugar a presidente da Câmara Municipal, Dra. Hortênsia Menino, o presidente da Direcção do Abrigo, Joaquim Manuel Batalha, o representante das edições Colibri, Dr. Fernando Mão de Ferro e, evidentemente, a autora do livro – Dra. Maria Teresa Rios da Fonseca.

Ao abrir a sessão, Joaquim Batalha fez a apresentação dos colegas de Mesa e explicou os objectivos que estiveram na origem da ideia de solicitar à Dra. Teresa Fonseca um trabalho que se previa exigir muita pesquisa, devoção e rigor, mas cujo produto final se sabia ter a qualidade superior já bem testada e comprovada em muitos trabalhos anteriores.


Dr. Fernando Mão de Ferro felicitou a Direcção do Abrigo e enalteceu o talento da Dra. Teresa Fonseca, bem expresso nas muitas obras que a sua editora já teve oportunidade de dar à estampa. Disse ainda estar orgulhoso pelo facto das Edições Colibri estarem ligadas a este projecto.

A Dra. Hortênsia Menino exaltou a iniciativa do Abrigo celebrar desta forma os cem anos da Instituição e da garantia de qualidade que a autora coloca em todos os seus livros, onde vem dando a conhecer aspectos menos conhecidos da vida do concelho. Referiu ainda que o livro é uma homenagm a todos os que, ao longo dos anos, têm vindo a dedicar, voluntariamente, muito da sua vida a esta obra solidária para que a velhice seja digna.

Finalmente, usou da palavra a autora do livro “Para a História da Assistência em Portugal – Do Asilo de Mendicidade ao Abrigo dos Velhos Trabalhadores de Montemor-o-Novo – 1914 – 2014.”

Começou por agradecer a colaboração de quantos deram o seu contributo para a realização deste trabalho de pesquisa que, como se adivinha, foi longo e trabalhoso.

Depois, foi uma clara e bem elaborada exposição sobre muitos aspectos do livro que, como é evidente, não seria possível reproduzir neste espaço.

No entanto, para lhe aguçar a curiosidade e convidá-lo a adquirir esta obra, que nos dá a conhecer em pormenor o percurso destes cem anos da assistência aos mais idosos, permitimo-nos transcrever uma breve explicação da autora que se pode ler na contracapa deste volume:
 “O presente livro aborda a origem do Asilo Montemorense de Mendicidade, fundado a 1 de Janeiro de 1914 em Montemor-o-Novo. Traça a sua evolução posterior, até à transformação em Associação Protectora do Abrigo dos Velhos Trabalhadores, ocorrida em 1955.

Refere as casas que esta importante instituição de apoio à terceira idade ocupou até à instalação definitiva no edifício atual, ocorrida em 1969.


Descreve as vicissitudes da sua longa existência, no contexto da história local e nacional, inserindo-a nas políticas assistenciais implementadas ao longo do seu século de existência.

Aborda ainda os diferentes modelos de gestão de que foi alvo, a sua interação com a comunidade local e a sua evolução interna, tanto no respeitante à ampliação e modernização do seu espaço arquitetónico, como quanto às diferentes valências que foi criando, com as naturais repercussões no aumento do número de beneficiados e dos recursos humanos necessários ao alargamento da sua actividade”.


A fechar a sessão e antes de dar a palavra a Manuel Aldinhas Santos, José Grulha, Joaquim Abreu Bastos e Joaquim Salgueiro que teceram várias considerações a propósito do momento que ali se estava a viver, Joaquim Manuel Batalha não quis deixar de agradecer a presença das pessoas amigas que tinham acedido ao convite e, muito especialmente, a todas as entidades e particulares que materializaram o apoio à edição deste livro, em numerário ou na aquisição de um determinado número de exemplares:
Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, União de Freguesias de Nossa Senhora da Vila. Nossa Senhora do Bispo e Silveiras, Junta de Freguesia de Foros de Vale Figueira, Junta de Freguesia de S. Cristóvão, Junta de Freguesia de Cabrela, Junta de Freguesia do Escoural, Junta de Freguesia de Ciborro, União de Freguesias de Cortiçadas de Lavre e Lavre, Cooperativa “Caminhos do Futuro”, Agência de Montemor-o-Novo da Caixa Geral de Depósitos, Agências de Montemor-o-Novo e Alcácer do Sal da Caixa de Crédito Agrícola, Delta Cafés, Dra. Maria Margarida Nunes Mexia de Mendia e J.A.

Seguiu-se um “Abrigo de Honra” a todos os presentes.
Este excelente livro, que procura reconstituir, até onde isso é possível, os cem anos de uma instituição de reconhecido valor assistencial, ainda pode ser adquirido no Abrigo e o seu custo é apenas de 10 euros cada exemplar.