quarta-feira, 18 de abril de 2018

Os nossos utentes

CUSTÓDIA MARIA (Flamina)

        

         Sendo uma das mais novas “aquisições” do Abrigo, onde entrou em 29 de Março último, a nossa entrevistada nasceu no dia 29 de Janeiro de 1933, contando portanto a bonita idade de 85 anos.    

“Nasci em Montemor e aqui, ou nos seus arredores, sempre vivi. Sou viúva há cerca de onze anos de Jerónimo José Albino e tenho dois filhos – Filipe Albino e Francisco Albino.”

Mas vamos começar pelo princípio.

“Éramos doze irmãos e eu era uma das do meio. Com tanta gente, a vida não era fácil e, a exemplo dos meus irmãos mais velhos, cedo comecei a contribuir com o que estava ao meu alcance para o sustento da família. Com 4 anos já ia para a “bicha” do pão, cuja venda era regulada por senhas. Como éramos muitos, outros dos meus irmãos também para lá iam porque só um pão não chegava para toda a família. E assim tentávamos nós, todas as semanas, arranjar o que era o nosso principal alimento.”

Mas não podiam viver só com o pão …

“O meu pai, nos seus tempos livres, que eram poucos, fazia umas hortazitas de onde tirava umas hortaliças que ajudavam a alimentar o pessoal. E à medida que íamos crescendo, já o trabalho esperava por nós. Com pouca idade começávamos logo a labutar. Apanhar azeitona foi a minha estreia e nunca mais parei. Fiz praticamente tudo o que era trabalho no campo.”

Os anos foram correndo e …

“Apesar de ser muito cortejada, logo aos 14 anos comecei a namorar aquele que haveria de ser o meu marido. Tive muitos pretendentes, mas havia alguns “fadistões” que quando se apercebiam, ou que eu já entregara o meu coração, ou quando vinham a saber que nós éramos muito pobres, depressa desistiam. E quando tinha 24 anos casámos.”

Casamento, vida nova…

“Fomos morar para casa dos meus sogros e por lá estivemos mesmo depois de ter nascido o nosso primeiro filho. Entretanto, passado algum tempo o meu sogro mandou arranjar uma casa desabitada que havia perto deles e, então, mudámo-nos. Foi já aqui que nasceu o nosso segundo filho, tendo, inclusivamente, sido a minha sogra que me acudiu e serviu de parteira.”

Mas não ficaram por ali.

“Em determinada altura fomos morar para o Monte do “Esbarrondadouro”, ali perto de Évora, propriedade do lavrador Manuel Dias Descalço, onde o meu marido era moiral das parelhas. E dessa vez não estivemos lá muito tempo porque em dado momento houve uma greve e o patrão despediu todos os grevistas, onde se incluía o meu marido.”


E ficaram desamparados…

“Não, porque aconteceu uma coisa curiosa. O castigo aplicou-se apenas naquela herdade, tendo o patrão passado todos os trabalhadores nessa situação para uma outra propriedade no Monte dos Álamos, que distava bastante do anterior local de trabalho. Mas eu fiquei a morar na mesma residência, sendo que o meu marido só ia a casa semanalmente.”

E assim continuou?

“Passado algum tempo o patrão mandou-o chamar e disse-lhe que o castigo tinha terminado, pelo que iria voltar para o “Esbarrondadouro”. E foi aqui que teve o acidente com a parelha que lhe fracturou uma perna, inutilizando-o para o serviço. E, como resultado, foi despedido sem receber qualquer indemnização porque o patrão não tinha ninguém no seguro.”

Foi um golpe muito duro…

“Se foi. Especialmente para ele. Dali fomos para o Monte da Alcava de Cima, perto de Santa Sofia. Impedido de fazer o seu habitual trabalho, começou a vender peixe pelos montes. Um dia, teria ele cerca de setenta anos, teve inesperadamente um AVC. Estava sentado num pequeno muro, deu-lhe o ataque e caiu para o lado, já morto. Este, sim, foi o golpe mais duro na minha vida.”

E depois?

“Já viúva, tive de continuar a trabalhar no campo, já para lá dos setenta anos, para garantir o meu sustento. Morando já aqui em Montemor, ao fundo da Rua das Piçarras, tive a ajuda da minha neta, Márcia Cristina, que me conseguiu arranjar esta solução de vir para o Centro de Dia do Abrigo, onde me encontro desde o passado mês de Março.”

Obrigado pela sua atenção, D. Custódia. Gostámos de falar consigo.