quinta-feira, 24 de setembro de 2015

OS NOSSOS UTENTES


ISIDORO MANUEL VITORINO

Numa amena manhã deste princípio de Outono, estivemos à conversa com o nosso utente Isidoro Manuel Vitorino, conhecido também por Isidoro “Panelas”, alcunha que herdou do seu avô, que por sua vez a adquiriu nas brincadeiras de crianças.


“Nasci no dia 9 de Maio de 1922 no Monte do Outeiro, perto de S. Mateus”, começou por nos revelar. E continuou:´

“Andei à escola em S. Mateus e fiz o exame da 2ª classe, com a classificação de 12 valores, mas por aí ficou a minha instrução escolar, porque cedo comecei a trabalhar como ajuda de moiral dos porcos. E nunca mais parei. Poucos anos depois comecei a executar os vários serviços agrícolas e, como era ainda muito jovem, ganhava a mesma jorna das mulheres. Só mais tarde, quando já tinha corpo de homem, comecei a ganhar como tal.”

E só por volta dos vinte anos a sua vida conheceu novos desenvolvimentos…

“Sim, sensivelmente com essa idade iniciei o namoro com a moça que haveria de ser a minha mulher. Chamava-se Eva Maria dos Santos, tinha dezassete anos e morava na Quinta Ruiva, também para os lados de S. Mateus. Foi um namoro normal e, passados dois anos, num certo Domingo, mais concretamente a 23 de Abril de 1944,  fui lá falar com ela e decidimos juntar de imediato os trapinhos, como se costuma dizer. E se bem o pensámos, melhor o fizemos. E lá fomos, a pé, a caminho da vila, eu armado com noventa escudos no bolso. Chegados a Montemor, dirigimo-nos para a Pensão Isaac, que se situava no Largo da Câmara. Pagámos cinquenta escudos pela noite de núpcias e fiquei com quarenta escudos na carteira. Na manhã seguinte, segunda-feira, deixei ficar a Eva na pensão e dirigi-me a casa dos meus pais a contar-lhes a situação e a pedir que nos deixassem lá ficar até resolvermos a nossa vida. O meu pai disse-me que sim e informou-me que iríamos dormir no quarto que era da minha irmã. Regressei então à vila e voltei com a Eva já para a casa paterna. Com os quarenta escudos sobrantes fui comprar dez pães, que era a quantidade que consumíamos durante uma semana. Os pães custaram trinta e três escudos e com os sete restantes comprei um pente para a minha mulher, como se fora um presente de casamento.”

Quanto a lua-de-mel, nem pensar nisso, porque era luxo que nem sequer lhes passava pela cabeça:

“Nessa terça-feira, logo pela manhã, fui realmente passar a lua-de-mel a sachar milho no Monte do Picote. E na quarta-feira foi a vez da minha mulher começar a fazer o mesmo trabalho e no mesmo local.”

E como se desembaraçaram durante esses dias, uma vez que o mealheiro já tinha sido gasto e o salário só seria pago no final dessa semana?

“Está mesmo a ver-se que durante essa primeira semana foram os meus pais a dar-nos de comer, tendo eu apenas contribuído com os tais dez pães”

E depois ?

“Já com o nosso próprio orçamento, ainda vivemos na casa paterna cerca de dois anos, após os quais arrendámos uma casa no Monte da Figueira, igualmente para os lados de S. Mateus. Desta união nasceu um filho – Teodósio Manuel Vitorino - que continua a ser o meu grande apoio. Entretanto a nossa situação foi legalizada, no Registo Civil e na Igreja, curiosamente no mesmo dia em que baptizámos o nosso filho.”

Mas a sua vida ainda conheceu outros desenvolvimentos, especialmente a nível laboral. Como nos vai explicar:

“Anos mais tarde, e quando já residíamos para os lados dos Foros da Adua, houve um largo período de acentuada crise de trabalho, pelo que decidi ir tentar a minha sorte como emigrante. Não fui a salto, porque tirei passaporte e todos os documentos necessários, mas a verdade é que me desloquei para França sem quaisquer garantias ou perspectivas de emprego. Fui à sorte e quando cheguei dormi duas ou três noites na casa de um meu irmão. De manhã saía à procura de emprego e, numa dessas voltas, logo ao segundo ou terceiro dia, calhou passar por uma quinta. Estava ao portão a espreitar quando vi um indivíduo, que depois vim a saber tratar-se do próprio dono, que se abeirou e me convidou a entrar. Claro está que eu não sabia uma única palavra de francês, pelo que nos entendemos por gestos. E foi nesta linguagem universal que me apercebi que ele estava a oferecer-me emprego. Apresentei-lhe os meus papéis e mostrei-lhe os calos das mãos, para ele perceber que eu estava habituado a trabalhar. E contratou-me logo. Levou-me à sua casa, no interior da quinta, apresentou-me à esposa e, mostrando-me no relógio e com os gestos adequados, fiquei a saber as horas do início do trabalho, do almoço e da saída. Forneceu-me instalações lá na quinta e passado um ano a minha mulher foi lá ter comigo. Eu nem queria acreditar na sorte grande que me tinha saído.”

E esteve lá muito tempo ?

“Trabalhei naquela quinta, como jardineiro a tratar de flores, uma vez que a principal actividade do meu patrão era a floricultura, durante seis anos e posso dizer que foi uma outra família que ali encontrei.”

E no regresso, o que aconteceu?

“Quando voltei para Portugal e para Montemor, tive durante quatro anos uma frutaria no Largo Gulbenkian, comprada ao sr. Frango, marido da conhecida vendedora Capitolina. Acabada esta actividade, voltei aos afazeres agrícolas. Antes de me reformar ainda fui servente de pedreiro, nomeadamente para o empreiteiro sr. Jaime Bibe, na obra da Cercimor.”

A idade, mas sobretudo a doença, levaram o casal a procurar refúgio no Abrigo dos Velhos Trabalhadores, tendo dado entrada em Julho de 1998. A esposa, infelizmente, já faleceu há sete anos. O sr. Isidoro, ainda que confinado a uma cadeira de rodas (que faz questão de ser ele próprio a conduzir porque, segundo afirma, só ele lhe conhecer as manhas), diz estar muito contente com o ambiente e a forma como é tratado por todos. Confessa estar atento a tudo o que o rodeia e, ainda que a memória lhe falhe aqui ou ali, sobretudo quando tem que recordar datas ou nomes, é um homem lúcido e interessado. Obrigado pelos minutos que nos dispensou.