terça-feira, 27 de maio de 2014

OS NOSSOS UTENTES

NORBERTO JOÃO PICANÇO

O nosso entrevistado deste mês é o exemplo de que quando se pretende atingir um objectivo, todos os obstáculos podem ser ultrapassados, mesmo quando as condições para lá chegar não são as mais favoráveis.

Assim começa a sua história:



“Nasci no Monte de Sancha Cabeça, freguesia de S. Mateus, vai fazer 85 anos no próximo mês de Julho. O nosso agregado familiar, para além dos meus pais, incluía cinco filhos. Ainda muito novinho, mudámo-nos para o Monte da Lage e depois para o Monte do Passarinho, perto da Venda do Bravo. Quando tinha sete anos transferimo-nos para o Monte da Fusca, também ali para os mesmos lados.”





E começou então a sua luta para alcançar o seu primeiro grande objectivo: aprender a ler.

“Não tinha escola perto, mas havia uma senhora, de nome Gertrudes do Foro, que contra o pagamento de cinco escudos mensais, juntava um grupo de rapazes e raparigas num barracão sem as mínimas condições e, utilizando livros antigos cedidos por pais, por outros familiares ou amigos, ia ensinando as primeiras noções que nos iam permitindo ler, escrever e fazer contas. Como já disse, o tal barracão era totalmente desprovido dos meios de conforto mais elementares. A única coisa boa era que não chovia lá dentro. Apenas possuia, num dos lados, uma parede digna desse nome, porque o resto eram paredes mal amanhadas que não evitavam frios cortantes e permitiam que o vento entrasse por um lado e saisse pelo outro.”

Mas não se ficavam por aqui as carências de tal “escola”

“Não tinhamos qualquer material escolar. É claro que não havia carteiras. Eram duas ou três mesas velhas, de dimensões e alturas diferentes, juntas umas às outras. De um lado sentavam-se alunos em cadeiras também velhas e, do outro lado, apoiada em duas pilhas de tijolos, uma tábua servia de assento às outras crianças. Nos dias mais frios a senhora fazia um lume dentro do barracão, sentava-se num mocho e, para outro mocho colocado à sua frente, ia chamando cada aluno para ler ali a sua lição. Quando estava vento, o que era frequente, o fumo ia todo para cima do rapaz ou da rapariga porque a professora tinha escolhido o lado mais abrigado. De vez em quando mandava um rapaz ir buscar lá fora uma vara de vime, que haveria de servir para castigar e bater, algumas vezes, no próprio que a tinha trazido. Porque a D. Gertrudes quando batia não era nada meiga.”

O nosso amigo Norberto frequentou estas aulas durante dois anos e já lia, escrevia e fazia contas com grande capacidade. Aliás, diz-nos que para a aritmética teve sempre vocação. Porém, e como se compreende, estes conhecimentos não eram reconhecidos, porque a escola onde andara, não era propriamente uma escola e, por isso, não era oficial. Havia, portanto, que dar outros passos:

“Terminados estes dois anos, a minha família e a do meu amigo e colega Luís Torres (conhecido como Luís da Volta) tentaram inscrever-nos na escola de S. Mateus. Mas já tinham terminado as matrículas e só havia lugar para um de nós. Fiquei eu. Então, e dados os meus conhecimentos, entrei logo para a segunda classe, e no ano seguinte fiz o exame da 3ª. E fiquei por aqui, porque naquela escola rural só se davam aulas até àquele nível. O Luís acabou por ir para uma escola de Montemor, onde concluíu a 4ª classe.”

Atingido, ainda que parcialmente, este objectivo, surge uma mudança na sua vida:
            
“Com 11 anos havia que começar a trabalhar, não só porque continuar os estudos não era possível como ainda era necessário ajudar na economia doméstica. Integrado num grupo de mulheres, comecei por ir arrancar mato, mais propriamente sargaços, ganhando dois escudos e cinquenta por dia.”
           
Até cerca dos vinte seis anos foi fazendo praticamente todos os trabalhos agrícolas. Porém, por esta altura começou a desenvolver o segundo sonho da sua vida e que não descansou enquanto não o concretizou.
           
“Sempre tive o desejo de um dia vir a ser tractorista. A certa altura, trabalhava eu para o lavrador Joaquim Falcão Marques, o feitor, que era o João da Pontinha, perguntou-me se eu não gostaria de ir aprender a trabalhar com o tractor. Claro que lhe disse logo que sim. Estava a esgalhar uma oliveira e larguei imediatamente o machado. Então, disse-me, vai ter ao Monte de Cuncos, porque anda lá o António Marcelino a charruar com o tractor e pede-lhe que te encaminhe. Cheguei, cheio de entusiasmo, e ele, que já estaria avisado, mandou-me montar no tractor e foi-me dando as primeiras instruções. Ainda não tinha decorrido uma hora, largou-me em cima do tractor e foi-se embora. Claro que cinco minutos depois já eu estava atascado. Chamei-o, aflito, e ele lá regressou e ensinou-me a forma de sair daquela situação. E foi assim a minha aprendizagem.”

Mas ainda havia que resolver outro problema:
            
“Entretanto, eu precisava da 4ª classe para poder ir tirar a carta. Então, fui ter com o António Mendonça, que me preparou para ir fazer exame, o que consegui. Já na posse da tão desejada carta de tractorista, esta começou desde aí a ser a minha principal actividade.”
            
Realizado o seu segundo sonho, a sua vida estabilizou, trabalhando naquilo em que sentia realizado.
            
“Teria talvez uns quarenta anos, ou pouco mais, e achando que ganhava pouco, pedi ao meu patrão que me aumentasse mais cinco escudos, isto é, passasse de cinquenta para cinquenta e cinco escudos diários. Respondeu-me que não estava disposto a isso. Então, tive a informação de que na Herdade de Cordeiros, de que era proprietário Augusto Tavares da Silva, residente no Seixal, tinham necessidade de um tractorista. Dirigi-me lá, apresentei-me, disse ao que ia e foi-me perguntado quanto queria ganhar. Respondi que sessenta escudos e, para surpresa minha, o sr. Augusto disse-me que ficaria com o emprego mas a ganhar sessenta e cinco escudos diários. Depois, em conversa com o feitor, este disse-me que se o patrão gostasse do meu trabalho, ele próprio tomaria a iniciativa de me aumentar o salário. E assim foi. Logo no primeiro sábado começou a pagar-me setenta escudos.”
            
Chegou o momento de dar novo rumo à sua vida:
            
“Estive três anos na herdade dos Cordeiros, findos os quais tentei a sorte como emigrante. Fui para a Alemanha, mas não gostei da experiência e ao fim de pouco mais de seis meses regressei à minha casa no Monte da Fusca. Quando teve conhecimento de que eu havia voltado, o patrão de Cordeiros convidou-me novamente para voltar a desempenhar o mesmo serviço, mas agora também como operador de uma ceifeira-debulhadora. Aceitei e aqui estive mais três ou quatro anos.
Mais tarde foi convidado para exercer as mesmas funções na Cooperativa Bento Gonçalves, por onde me mantive mais de vinte anos.”
            
Quando chegou a altura, reformou-se, tendo continuado a viver no Monte da Fusca, mas agora sozinho, porque os pais entretanto tinham falecido e os irmãos cada um já tinha ido à sua vida. Nunca pensou em casar?
            
“Ao longo dos anos os meus irmãos foram arranjando a sua casa e eu fui ficando com os meus pais. Entretanto, o tempo foi passando, deixei passar a altura certa e quando dei por isso já era tarde. Mas não estou arrependido porque, afinal, tive sempre uma vida livre e à minha vontade.”
            
Está no Abrigo há aproximadamente cinco anos:
            
“Tive de tomar esta decisão porque a idade foi avançando e não tinha condições na casa onde morava. Aqui sou bem tratado e alinho nas viagens que o Abrigo organiza periodicamente para me ir distraindo. Gosto de ler, sobretudo jornais, mas não posso abusar porque já fui operado à vista duas vezes e tenho de ter cuidado.”

            
O Sr, Norberto é, afinal, um exemplo de que o desejo de realizar determinado sonho é um factor decisivo para o poder alcançar.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

PEDDY-PAPER

“NA ROTA DO ABRIGO – 2014”

Já inserido nas comemorações do 47º aniversário da Associação, que ocorrerá no próximo dia 13 de Junho, e ainda no âmbito das celebrações do centenário da instituição Asilo de Mendicidade/Abrigo dos Velhos Trabalhadores de Montemor-o-Novo, que foi assinalado em Janeiro deste ano, realizou-se no passado dia 15 deste mês de Maio, um participado “Peddy-Paper” que constituiu um assinalável êxito.
Esta primeira edição foi chamada de “Na Rota do Abrigo”, porque todo o percurso se desenrolou não só no interior do edifício, mas sobretudo no seu bem cuidado espaço envolvente.



O evento teve uma participação que superou a centena de concorrentes, representando várias instituições locais (Associação 29 de Abril, Casa João Cidade, Cercimor – CRP e CAO -. Escolinha “Jardim dos Sentidos”, Escolinha “O Meu Futuro”, Lar da Santa Casa da Misericórdia e Universidade Sénior do GAMN).


José Manuel Brejo foi o cérebro da iniciativa, que contou com a colaboração de funcionários e utentes do Abrigo.

Foi distribuída a cada equipa (houve instituições que se desdobraram em mais de uma formação) um mapa do percurso, com a localização de cada um dos 12 postos de controlo. Foi também distribuída uma folha que indicava a ordem dos postos a visitar que, não sendo igual para todas as formações, evitava aglomerações em cada posto e proporcionava que as equipas se cruzassem nos seus itinerários.
Foi fornecida também a cada equipa uma folha com um conjunto de elementos respeitantes à vida da Instituição e de onde se extraía a resposta à pergunta que era feita em cada um dos doze postos de controlo.


Claro que existia um posto de abastecimento de água, naturalmente bem.vinda dado o esforço despendido pelos “atletas” perante uma temperatura já apreciável.
E foi ver as crianças, na sua habitual algarviada, juntamente com os outros concorrentes menos jovens a percorrerem em alegre e sã convivência um espaço que muitos não conheciam e que, para outros, constituiu uma agradável surpresa todo o conjunto de beneficiações que o Abrigo alcançou nos últimos anos. Aliás, e segundo os organizadores, fui exactamente esse um dos objectivos: dar a conhecer mais em pormenor a actividade desenvolvida no dia-a-dia da Instituição.


No final do convívio-competição, em que todos foram justos vencedores, foi entregue ao “capitão” de cada equipa um saquinho com uma recordação de uma manhã que todos desfrutaram.
Dado o êxito da iniciativa, os promotores da ideia projectam repeti-la para o ano, se tal for possível. Esperemos que sim.