quarta-feira, 2 de abril de 2014

OS NOSSOS UTENTES


JOAQUIM JOSÉ PEREIRA


Tem oitenta e dois anos, é solteiro e considera-se bom rapaz. Chama-se Joaquim José Pereira e prestou-se de bom grado a revelar algumas particularidades da sua já longa vida.


“Nasci em Montemor no dia 9 de Fevereiro, do já distante ano de 1932, na Rua do Poço do Passo. Nesta casa vivi até aos 14 anos, depois de concluído o ensino primário. Por essa altura a família foi morar para a Quinta das Laranjas, propriedade da D. Antónia Padeira, onde o meu pai era rendeiro. Dali retirávamos os alimentos que a terra nos dava em abundância.

Mas não tinham outra fonte de rendimento ?

“Colada àquela quinta tínhamos o Pomar Bravo, uma pequena propriedade nossa que, para além, de nos proporcionar o valor da renda de umas casitas, ainda nos permitia criar, essencialmente para venda, umas ovelhas, cabras e galináceos. Era daqui que conseguíamos mais alguns rendimentos pecuniários.”

Deixemos esta fase da vida do nosso entrevistado e avancemos no tempo:

“Teria eu trinta e tal anos quando regressámos à então vila. Deixámos a Quinta das Laranjas mas continuámos a explorar o Pomar Bravo que, mais tarde, foi vendido.”

Já em Montemor houve que procurar meio de subsistência:

“Empreguei-me na serração da família Silva Borges, ali na Vilamor. Estive lá uns meses e depois coloquei-me na Câmara Municipal. Fiz aqui os mais diversos trabalhos, desde colocar alcatrão nas estradas, andar no serviço de limpeza até que, finalmente, fui para a secção de pintura e carpintaria, no estaleiro. Por aqui me mantive  até me reformar.”

Depois dos pais falecerem, o sr. Joaquim Pereira vivia, sozinho, na Rua do Poço do Passo, sensivelmente no mesmo local mas depois do prédio ter beneficiado de obras de fundo. Será que nunca pensou em casar ?

“Quando era novo namorei uma rapariga durante cerca de catorze anos. Claro que pensávamos casar, mas ela era tremendamente ciumenta. As constantes cenas, de ciúmes infundados, que previ poderem continuar pela vida fora, foram decisivas para acabar com o romance antes que fosse demasiado tarde.”

Mas voltemos à actualidade.

“Como estava sozinho, durante os últimos cinco ou seis anos tive o “Apoio Domiciliário” prestado pelo Abrigo. Porém, há cerca de seis meses dei uma queda, no passeio junto ao Minipreço, que me provocou uma séria lesão ao nível da bacia e de que resultou uma incapacidade permanente. Na altura fui radiografado e o ortopedista disse-me que o caso não tinha solução.”

E daí …

“Daí que não tive outra solução senão a de pedir ao Abrigo que me aceitasse no “Lar”, uma vez que a minha casa tem degraus que eu não conseguia, nem consigo, subir ou descer. Tenho bastantes dores e dificuldades para me deslocar mesmo em superfícies planas. Com a ajuda de uma bengala lá vou dando uns passos, mas sempre à custa de muito sofrimento.”

Conseguimos saber que o nosso entrevistado deste mês anda a tentar escrever uns versos. Confessou-nos que ainda não estão prontos mas, mesmo assim, prontificou-se a ditar o que a seguir se transcreve:

                     
                       "Se há Deus, eu não acredito
                        É o que a sorte me diz.
                        Não tem dó dum infeliz
                        Que se vê num conflito.

                        Muita gente me tem dito para eu ter devoção
                        E peço tanto a salvação
                        Que não consigo alcançar
                        Só me custa é o penar
                        Dêem-me todos atenção.

                        Choro a minha desventura
                        Eu estou farto de sofrer
                        Vivo assim até morrer
                        Se meu mal não tiver cura."

                     
Amigo Joaquim: Não desespere. Vamos ter esperança de que melhores dias virão.