segunda-feira, 29 de junho de 2015

OS NOSSOS UTENTES


PALMIRA  ROSA

Quando uma qualquer instituição celebra o centenário da sua fundação, esse facto é justamente assinalado dada a sua raridade. Porém, quando é uma pessoa a chegar a tão respeitável idade, ainda existem mais motivos a justificar uma referência a quem atingiu essa meta que só poucos conseguem alcançar.

Mas a nossa entrevistada deste mês, PALMIRA ROSA ou PALMIRA ROSA SIMÕES, fez mais: No dia 28 deste mês de Junho de 2015 celebrou exatamente 101 anos de vida, plena, não obstante ter conhecido uma existência de sacrifícios, renúncias, abnegação e trabalho, muito trabalho.


A sua memória já não é o que era e, portanto, foi a sua filha Liberdade que nos foi ajudando a preencher algumas lacunas de uma história que já vai longa.

“Comecei a trabalhar ainda em criança, porque éramos oito irmãos e a comida era pouca para tanta boca. Da apanha da azeitona, à monda, à ceifa e de outros trabalhos rurais, de tudo um pouco eu fiz. Depois de casada até pedra parti.”

Com 17 anos juntou-se com o seu homem de sempre, Salvador José Simões, mas só uns anos mais tarde casou civilmente. O seu marido, que era cabouqueiro, já faleceu há bastantes anos.

“Trabalhei no campo até aos 40/50 anos e só por esta idade comecei a percorrer as ruas da então vila, com uma carrocinha, puxada por um burro, um macho ou uma mula, a recolher em latões as sobras que as famílias e os restaurantes  me iam dando, para alimentar os porcos que tínhamos num chiqueiro perto da ribeira, mais ou menos por baixo da ponte de ferro. Chegámos a ter e a engordar mais de 20 animais. Já era casada e já tinham nascido os meus três filhos  - Martinho, Florinda e Liberdade.”

Destas suas deambulações com a carroça, tem umas histórias para contar: 
“Devo ter a minha fotografia espalhada pelos quatro cantos do mundo. Sempre que passava por turistas, sobretudo estrangeiros, logo me solicitavam que me deixasse fotografar. Alguns até me pediam o meu chapéu, que colocavam na cabeça do burro”

Mas as histórias não ficam por aqui:
“Nestas minhas andanças tinha como companheiro e ajudante um cãozinho chamado “Faísca”. Era um animal inteligentíssimo. Quando eu tinha de deixar a carroça sozinha para ir recolher as sobras, bastava dizer-lhe para ele ficar de guarda e eu abalava descansada. Uma vez, fui à lenha para os lados do Raimundo. Andava por ali uma manada de touros e um deles quis atacar-me. De imediato chamei o “Faísca”, dei-lhe ordem para me proteger e o cão agarrou-se ao rabo do animal e este foi forçado a voltar para trás. Dei-lhe ordem para regressar, ele subiu para a carroça e lá fomos à nossa vida. Que saudades eu tenho do meu Faísca.”

 Mas nem todas foram histórias interessantes:
“Já deveria ter cerca de cinquenta anos, andei a coser os rasgões das sacas do carvão e, quando chegavam os homens para encher as sacas e depois carregá-las para as camionetas ou tractores, era eu mesma que “dava carga”, passando-me pelas costas sacas que chegavam a pesar cem quilos.”

Foi sempre uma luta constante para ganhar a vida:
Trabalhei muito. Em determinadas alturas, para ajudar a suportar as despesas, ia com a minha filha Liberdade e com os meus dois netos, a diversas albufeiras e ribeiros apanhar “verdemãs”, que depois vendíamos a dez tostões cada. Apanhávamos centenas, mas corríamos grandes riscos, porque muitas vezes tínhamos de entrar pela água dentro e eu já não era propriamente uma jovem.”

Os anos foram passando e…
“As circunstâncias levaram-me a entrar para o Abrigo e tive a sorte de entrar como residente. Morava com a minha filha Florinda, de 80 anos, no Beco dos Pelomes, ali para os lados das Fontaínhas. Claro que era uma situação insustentável e vi-me forçada a recorrer a esta solução. Mas estou agora preocupada com o problema da minha filha, que já não está em condições de viver sozinha. Vamos ver se num futuro próximo surge uma vaga, quer para o Lar, quer para o Centro de Dia, quer para o Apoio Domiciliário.”

Foi um prazer falar com a D. Palmira.
Oxalá que o seu mais recente problema se resolva em breve.